segunda-feira, 24 de setembro de 2012

A PEDRA


Havia uma pedra no caminho, já dizia o poeta. E, se ele dizia, quem sou eu para questionar?
Pois bem, em nossos caminhos há muitas pedras. Pedras angulares, pedras filosofais, pedras no sapato... Muitas.
Há quem sente na pedra, no meio do caminho e chore, desolado. Há quem construa muros, há quem construa pontes. Há quem as contorne, há quem as jogue no telhado de vidro do vizinho, há quem as carregue.
Tonico era assim. Ganhara quando criança uma mochila, que trazia sempre às costas. Nela, carregava suas pedras-do-meio-do-caminho.
Nunca soubera exatamente porque carregava-as. Quando questionado, ora não sabia responder, ora dizia que era para preservar a integridade dos dedões de seus entes queridos. Enquanto pudesse carregar seu fardo, ninguém à sua volta tropeçaria.
Mas, e há sempre um mas, Tonico sofre, e bufa, e geme, e chora. Há anos já ultrapassou seus limites e a mochila, cada vez mais repleta, insiste em vergá-lo em direção ao chão.
Exausto, derrotado por fim, ele para e deposita cuidadosamente a mochila no solo. Pega uma por uma as pedras que carrega e as observa. Esforço de uma vida inteira que agora parece esvair-se.
Num último alento de força, clama por seu pequeno rebento. Herdeiro de sua sina, como Tonico fora um dia para o próprio pai.
O menino chega e, lágrimas nos olhos, vê o último gesto de um ancião que tomba: um indicador trêmulo em direção às pedras, que logo cai para nunca mais mover-se.
O pequeno, em pranto, faz um esforço para compreender a mensagem silenciosa. Nunca compreendera o gesto do pai, nem a mania de aumentar o próprio fardo, de curvar, a cada dia mais, em direção ao solo que o aguardava silenciosamente.
O herdeiro acerca-se da mochila, tenta levantá-la. Geme, bufa, sofre e nada mais consegue do que arrastá-la para mais perto. Tira as pedras cuidadosamente da mochila e vai colocando-as à volta do seu pai – ele gostava tanto delas!
Espanta-se ao perceber que são muitas. Centenas, milhares... Mais do que caberiam em mil mochilas. Seu rosto ilumina-se. Sabe o que fazer.
No dia seguinte, quem passa naquele caminho encontra um túmulo de pedras. Caprichosamente erigido. Cada um com suas pedras -  pensa o pequeno herdeiro.
Adiante, tropeça em uma inesperada pedra. No meio do caminho. E geme, e bufa, e chora vendo o dedo que sangra e a unha partida. Não sabia que doía tanto, pois nunca tropeçara. Lembra o gesto do pai.
Mancando ainda, toma a pedra em suas mãos. Lamenta a falta da mochila, deixada para trás. Deposita a pedra fora do caminho – não tem outra escolha – e segue seu destino.
Do céu, Tonico, que observava apreensivo a cena, ainda torto pelo hábito do peso e arrependido de tão duro legado deixado ao filho, ilumina-se em um sorriso: - Essas crianças! Ainda bem que nem sempre copiam nossos erros.
A família do Tonico? Ah, eles aprenderam a caminhar!

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