Havia uma pedra no caminho, já
dizia o poeta. E, se ele dizia, quem sou eu para questionar?
Pois bem, em nossos caminhos há
muitas pedras. Pedras angulares, pedras filosofais, pedras no sapato... Muitas.
Há quem sente na pedra, no meio
do caminho e chore, desolado. Há quem construa muros, há quem construa pontes. Há
quem as contorne, há quem as jogue no telhado de vidro do vizinho, há quem as
carregue.
Tonico era assim. Ganhara quando
criança uma mochila, que trazia sempre às costas. Nela, carregava suas
pedras-do-meio-do-caminho.
Nunca soubera exatamente porque
carregava-as. Quando questionado, ora não sabia responder, ora dizia que era
para preservar a integridade dos dedões de seus entes queridos. Enquanto pudesse
carregar seu fardo, ninguém à sua volta tropeçaria.
Mas, e há sempre um mas, Tonico
sofre, e bufa, e geme, e chora. Há anos já ultrapassou seus limites e a
mochila, cada vez mais repleta, insiste em vergá-lo em direção ao chão.
Exausto, derrotado por fim, ele para
e deposita cuidadosamente a mochila no solo. Pega uma por uma as pedras que
carrega e as observa. Esforço de uma vida inteira que agora parece esvair-se.
Num último alento de força,
clama por seu pequeno rebento. Herdeiro de sua sina, como Tonico fora um dia
para o próprio pai.
O menino chega e, lágrimas nos
olhos, vê o último gesto de um ancião que tomba: um indicador trêmulo em
direção às pedras, que logo cai para nunca mais mover-se.
O pequeno, em pranto, faz um
esforço para compreender a mensagem silenciosa. Nunca compreendera o gesto do
pai, nem a mania de aumentar o próprio fardo, de curvar, a cada dia mais, em
direção ao solo que o aguardava silenciosamente.
O herdeiro acerca-se da mochila,
tenta levantá-la. Geme, bufa, sofre e nada mais consegue do que arrastá-la para
mais perto. Tira as pedras cuidadosamente da mochila e vai colocando-as à volta
do seu pai – ele gostava tanto delas!
Espanta-se ao perceber que são
muitas. Centenas, milhares... Mais do que caberiam em mil mochilas. Seu rosto
ilumina-se. Sabe o que fazer.
No dia seguinte, quem passa
naquele caminho encontra um túmulo de pedras. Caprichosamente erigido. Cada um
com suas pedras - pensa o pequeno
herdeiro.
Adiante, tropeça em uma
inesperada pedra. No meio do caminho. E geme, e bufa, e chora vendo o dedo que
sangra e a unha partida. Não sabia que doía tanto, pois nunca tropeçara. Lembra
o gesto do pai.
Mancando ainda, toma a pedra em
suas mãos. Lamenta a falta da mochila, deixada para trás. Deposita a pedra fora
do caminho – não tem outra escolha – e segue seu destino.
Do céu, Tonico, que observava
apreensivo a cena, ainda torto pelo hábito do peso e arrependido de tão duro
legado deixado ao filho, ilumina-se em um sorriso: - Essas crianças! Ainda bem
que nem sempre copiam nossos erros.
A família do Tonico? Ah, eles
aprenderam a caminhar!
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